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Ciberespaço: conceito à procura de um nome

Este ensaio estuda as características teóricas, pragmáticas
e cognitivas do ciberespaço, relacionando-as com
aquelas que constituem os paradigmas de análise e interpretação
empregados no território científico da comunicação.
Essas questões são recursivas em textos de vários
autores que se ocupam do ciberespaço, mas em todos,
observa-se que aquelas definições surgem como obstáculos
que se manifestam nos eufemismos dos nomes
atribuídos ao ciberespaço. Entende-se, por hipótese, que
a utilização daquele recurso está diretamente relacionada
à necessidade de produzir/descobrir novos paradigmas
para nomear e definir as características cognitivas
produzidas e/ou estimuladas pelo cotidiano presidido
por um ciberespaço.

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 37 • dezembro de 2008 • quadrimestral 25
DOSSIÊ ABCiber
1. A procura de um nome
“El jardin de senderos que se bifurcan” es una enorme
adivinanza, o parábola, cuyo tema es el tiempo; esa
causa recóndita le prohibe la mención de su nombre.
Omitir siempre una palabra, recurrir a metáforas ineptas
y a perífrases evidentes, es quizà el modo màs
enfático de indicarla” (Borges. Ficciones, p. 99).
Ciberespaço: conceito à procura de um nome
Cibercultura de um espaço ciber
Ciberespaço como máquina de guerra
Nomear o ciberespaço
Cibercultura do ciberespaço
A hesitação e a procura de um nome adequado para
esse trabalho é um índice da sua natureza. O nomear é
um ato cognitivo.
Sem dúvida, não se pode desconhecer que a fundamental
tarefa epistemológica concentra-se na elaboração
de um conceito e sua conseqüente síntese, entretanto,
esse objetivo só se dá a conhecer através de uma
forma que, superando todas as características miméticas
do fenômeno, permite que o conheçamos ou o identifiquemos
pelos nomes que o sintetizam. Ou seja, o ato de
nomear tende a superar toda relação arbitrária entre um
significante em remissão para um significado.
Além disso, em ciência, um nome não simplesmente
designa, mas pode configurar uma imagem que, em mediação,
pode sugerir inferêncais imponderáveis ou surpreendentes.
Ou seja, o nome de um conceito vai muito
além da simples designação, porque não é unívoco mas,
dentro de uma aproximação lógica ambigua, pode oferecer
sínteses dúbias que Flusser identifica como nomes
secundários que vão além dos nomes próprios:
Podemos ampliar a nossa concepção do intelecto
da seguinte maneira: é ele o campo no qual ocorrem
palavras de dois tipos, nomes próprios e palavras
secundárias... Podemos distinguir duas tendências
dentro do campo do intelecto, uma centrípeta e outra
centrífuga. A força centrífuga é a “intuição poética”
enquanto que a força centrípeta é a “ conversação
crítica”. O resultado da “intuição poética” são
os nomes próprios, o resultado da “conversação
crítica” é a transformação desses nomes em palavras
secundárias, ou a sua eliminação do campo do
intelecto. Se o intelecto é o campo da dúvida, devemos
dizer que a dúvida tem duas tendências: a
“intuitiva” que expande o campo da dúvida, e a
“crítica”, que o consolida (Flusser, 1999, p. 65,66).
Porém, nos dois casos, temos atos cognitivos que se
fazem móveis, dinâmicos e incompletos através da críti-
Ciberespaço: conceito à procura de um nome*
Lucrécia D´Alessio Ferrara
Professora Livre-Docente (Usp/Fau) e professora do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Semiótica – PUCSP/SP/BR
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RESUMO
Este ensaio estuda as características teóricas, pragmáticas
e cognitivas do ciberespaço, relacionando-as com
aquelas que constituem os paradigmas de análise e interpretação
empregados no território científico da comunicação.
Essas questões são recursivas em textos de vários
autores que se ocupam do ciberespaço, mas em todos,
observa-se que aquelas definições surgem como obstáculos
que se manifestam nos eufemismos dos nomes
atribuídos ao ciberespaço. Entende-se, por hipótese, que
a utilização daquele recurso está diretamente relacionada
à necessidade de produzir/descobrir novos paradigmas
para nomear e definir as características cognitivas
produzidas e/ou estimuladas pelo cotidiano presidido
por um ciberespaço.
PALAVRAS-CHAVE
ciberespaço
comunicação
ciência
ABSTRACT
This paper will try to show theoretical, pragmatics and cognitive
cyberspace characteristics in relation to communication
analysis and interpretation paradigms. These questions are
frequent to cyberspace authors but in everyone we observe
these cognitive definitions named by euphemisms or metaphors.
By hypothesis, we understand this use is linked to the
necessity to invent new paradigms to define or to name cognitive
characteristics produced or stimulated by daily cyberspace.
KEY WORDS
cyberspace
communication
science
Lucrécia D´Alessio Ferrara • 25 – 31
26 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 37 • dezembro de 2008 • quadrimestral
ca epistemológica que expande o conceito para além do
nome, revelando-lhe novas dimensões. Nesse trabalho,
nos ocuparemos das nomeações do ciberespaço que,
enquanto crítica e palavras expandidas, configuram as
representações epistemológicas que têm sido desenvolvidas
no território daqueles estudos comunicativos ou
próximos a ele.
2. O ciberespaço como quase ciência
No longinguo 1965, Umberto Eco publicou uma obra
onde propunha dois nomes gerais e polêmicos: apocalípticos
e integrados. Com esses nomes, procurava-se
criar duas sínteses das categorias receptivas da cultura
de massa. Atualmente, essas duas sínteses estão ultrapassadas
porque se referem à obviedade de reações díspares,
ante a surpresa de toda revolução cultural ou
científica que impõe o reconhecimento da violação de
expectativas já alicerçadas, consolidadas, conforme Thomas
Khun apresentou em obra fundamental, onde analisa
o quadro de mudança de paradigmas como eixo da
revolução científica. Nesse quadro de mudanças, a cultura
de massa foi violada pela cibercultura que a reduziu
ao plano normal e corriqueiro dos sistemas de comunicação
lineares e industrializados.
Para a crítica epistemológica,
parece urgente inibir a ameaça
da impossibilidade comunicativa
que, iniciada com a comunicação
de massa, estaria, com o digital,
prestes a desaparecer do plano
humano para instalar-se além,
no pós-humano apocalíptico.
Entretanto, apocalípticos e integrados são nomes que
parecem corresponder e são freqüentemente lembrados
para designar a realidade atual vinculada à emergência
da cibercultura e encontrada no ciberespaço, como decorrência
da Internet, entendida como meio comunicativo
matriz da qual decorrem redes, blogs, chats, fotologs,
sites, e os novos dispositivos móveis. Todos esses nomes
constituem meios comunicativos com distintas atuações,
mas eclodem no e a partir daquele espaço.
O prefixo “ciber” que atua como predicativo do espaço
e da cultura que decorrem do suporte digital não os
distingue com clareza no sentido de indiciar hierarquia,
ou sobretudo, relações entre eles. Entretanto, ambos e,
sobretudo a cibercultura, parecem ser credores de um
capital cognitivo que transforma a tecnologia digital em
um meio comunicativo que promove interfaces, interatividades
e longínquas e duvidosas, porém possíveis, inclusões
sociais, políticas e culturais.
Entretanto, o prestígio e atualidade dos conceitos introduzidos
por Eco parecem justificar-se pela díspar
profusão de nomes com os quais se pretende designar
ou identificar os meios comunicativos que decorrem da
tecnologia digital e que, não raro, são confundidos como
suas faces homólogas. Entretanto aqueles nomes apontam
para sínteses distintas, embora essa distinção seja
estranha e difícil.
Essa dificuldade aponta, não só para o caráter revolucionário
implícito na realidade epistemológica introduzida
pela emergência da tecnologia digital, mas, sobretudo,
para seu caráter de processo e passagem entre o
conhecido e o novo e sua consequente fase de relação
cognitiva que constitui toda ciência quando se apresenta
como saturação das anteriores operações epistemológicas,
mas não evidencia, com clareza, suas novas estruturas.
Entretanto, no caso “ciber” esse processo relacional
está longe de ser esgotado, o que significa que aquela
saturação se mostra hesitante e em constante processo
de revisão, daí decorre a dificuldade da sua nomeação e
a consequente profusão de nomes que inspira.
3. Os nomes para um nome
Aquela profusão de nomes indica a obstinada tentativa
de compreender e ordenar o território da comunicação
presidida pela tecnologia digital e, sobretudo, pelos meios
comunicativos que dela decorrem. Porém, se um nome
ordena e identifica, sua profusão parece traduzir uma
ameaça, porque foge da linearidade que constitui controle
e administração de uma área científica. Para a crítica
epistemológica, parece urgente inibir a ameaça da
impossibilidade comunicativa que, iniciada com a comunicação
de massa, estaria, com o digital, prestes a
desaparecer do plano humano para instalar-se além, no
pós-humano apocalíptico. A recolta, certamente parcial,
dos nomes ou modos de identificar o ciberespaço aponta
para uma negação afirmativa, para uma oposição, ou
melhor, para uma adaptação evolutiva.
Negroponte, 1995
A vida digital: título da obra
Diversão da pesada, 187
Mídia para vestir, 199
Persona digital, 206
Superestrada da informação, 191
Dentro e fora do país ao mesmo tempo, 184
Hillis, 2003
Sensações digitais: titulo da obra
Fronteira eletrônica, 265
Gates, 1996
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A estrada do futuro: título da obra
Rheingold, 1996
A comunidade virtual: título da obra
Kerckove, 1997
Metáfora tátil, 79
Mão da mente, 80
Consciência simultânea partilhada, 82
Homo participans, 86
Levy
Inteligência coletiva .1999, 29
Virtualização como êxodo .1996, 19
Dialética do possível .1996, 59
Tecnologias da Inteligência.1993: título da obra
Trívio antropológico dos signos, das coisas, dos seres.
1996, 81
Ciberespaço: virtualização do computador. 1996, 46
Trivinho, 2007
Sóciosemiose plena da interatividade, 122
Manovich, 2006
Espacialização da experiência, 321
Poética da navegação, 328
Ou
Tapias, 2006
Internautas e Náufragos: título da obra
Máquina de Modernidade, 14
Nova cidade de Deus, 16
Baudrillard
A Ilusão vital . 2001: título da obra
Espaço além do fim .2001, 41
Acontecimento sem lugar .2001, 44
Relógio sem ponteiro. 2001, 44
Milenarismo sem amanhã. 2001, 40
Realidade virtual do apocalipse .2001, 42
Comédia póstuma do apocalipse .2001, 42
Espaço além do fim .2001, 43
Neurose coletiva .2001, 46
Liquidação do fim do século .2001, 47
Fim interminável .2001, 49
História anoréxica. 2001, 49
Fim do cenário da política, do social,da história ,2001, 50
História retrospectiva ou necrospectiva.2001, 55
Assassinato do real. 2001, 65
Assassinato do signo.2001, 61
Clonagem além do humano. 2001, 7
Hiper-real .2008, 22
Tempo real .2008, 127
Pacto de lucidez .2008: título da obra
Inteligência do mal .2008: título da obra
Realidade integral .2008, 12
Inferno do poder. 2008, 115
Trivinho, 2007
Bunkerização da vida, 39
Prótese invisível do inconsciente, 295
Signo vazio, 129
Dromoinaptidão cibercultural, 222
Virílio
Organização pré-geométrica do espaço .1993, 22
Hiperespaço sem dimensão. 1993, 92
A dimensão perdida .1993, 81
A cidade superexposta .1993, 7
A fratura morfológica.1993, 22
Acidente original .2005: título da obra
A máquina de visão. 1988, título da obra
Estratégia da decepção .1999, título da obra
A política do pior .2000: título da obra
A análise sugerida pela simples leitura desses nomes
ordenados comparativamente nos leva a distintas observações.
Se refletirmos não sobre os nomes ou sobre as
formas de nomear tomados unitariamente que, parece,
não levariam a conclusões mais amplas, mas se considerarmos,
ao contrário, o conjunto de nomes, veremos que
o ciberespaço ou a cibercultura aparecem em uma simultaneidade
nomeativa ou seja, ao mesmo tempo positiva e
negativa, plurinominável e inominável, ambivalente sem
ser ambigua visto que se presta a conceituações díspares,
fluídas que definem pela indefinição: aforismas à
maneira de Heráclito reeditado na pós-modernidade e
mais atual do que o próprio digital visto que opera sobre
sua essência:
Coisas tomadas juntas são todos e não-todos, algo
que é trazido junto e trazido em separado; que é
consoante e dissonante; fora de todas as coisas temse
a unidade e fora da unidade, todas as coisas
( Heráclito, apud Collinson, 2004, p. 22)
Nesse sentido, e considerando o caráter objetivo e
seguro dos nomes “apocalípticos e integrados”, observa-
se que, se aqueles nomes caracterizavam uma oposição
entre favoráveis e desfavoráveis à comunicação de
massa, entendida como ameaça ou novidade, somos
obrigados a inferir que a nomeação de Eco é frágil ante a
necessidade de nomear o digital. Ou seja, se apocalípticos
e integrados são nomes que identificam dois blocos
em antítese, aquela profusão de nomes que procuram
flagrar as inusitadas dimensões dos meios comunicativos
que decorrem do digital se apresentam como complexidades
que não se deixam sintetizar. Entretanto,
aquela nomeação é imprescindível para que seja possível
sintetizar o novo paradigma que, complexo, exige ser
nomeado a fim de ser possível catalogá-lo no território
crítico-científico e dar-lhe um lugar epistemológico passível
de identificação. Ou seja, mais do que o nome como
substantivo, é necessária a ação do nomear.
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4. O nomear
Explicitando ou não, um interesse epistemológico, é notável
a atenção conferida por numerosos, distintos e
conhecidos cientistas à necessidade e ao interesse do
nomear. Para citar alguns ilustres e sem esgotar a lista
que os coleciona, impõe-se lembrar os nomes de Foucault
(capítulos 4 e 5, em As Palavras e as Coisas); Flusser
(“Do Nome”, em A Dúvida); Derrida (“A estrutura, o
signo e o jogo”, em A Escritura e a Diferença,) e (“A guerra
dos nomes próprios” e “A ciência e o nome do homem”,
em Da Gramatologia; Lotman e Uspenski (“Mito, nome e
cultura”, em La Semiosfera III); Kuhn (“A metáfora na
ciência” e “Comensurabilidade, comparabilidade, comunicabilidade”,
em O Caminho desde a Estrutura); Rossi
(“Ordem e desordem no mundo”, em A Ciência e a Filosofia
dos Modernos); Bauman (“A busca da ordem”, em
Modernidade e Ambivalência); Maffesoli (“A metáfora”,
em Elogio da Razão Sensível).
O nomear é um ato cognitivo radical e procura ordenar,
separar, classificar, segregar a fim de conter o horizonte
caótico da idéia. Desse modo, o nome adere ao fixo
e ao estável, na própria medida em que repele o fluxo e o
indeterminado:
Sem dúvida o centro de uma estrutura orienta e organiza
a coerência do sistema e lhe permite o jogo dos
elementos no interior da forma total. Além disso, atualmente,
uma estrutura privada de todo centro representa
o próprio impensável (Derrida, 1967, p. 409).
Verifica-se, com Derrida, que para superar o caótico é
necessária a centralização estrutural do conceito e a
clara e visível dimensão do referente nomeado a fim de
que seja possível conter a rarefação da idéia e submete-la
à unidade, à integridade e à segurança dos seus limites.
Nesse sentido, o nomear exige fixidez para ordenar o
conjunto através da tradução de um nome capaz de
iluminar o que lhe é próprio e eliminar o que lhe é
estranho. Portanto, o nomear exige a fixidez que repele
as interpretações:
Também não se trata de uma racionalidade mais
geral que imporia formas idênticas à reflexão sobre
a gramática e à taxinomia. Mas sim de uma disposição
fundamental do saber que ordena o conhecimento dos
seres segundo a possibilidade de representa-los num
sistema de nomes ( Foucault, 1987, p.173).
Portanto, um nome é, antes de tudo, uma identificação
que confere sentido porque dele se depreende os limites
de um lugar epistemológico que, como se sabe, sempre
supõe a centralidade de um corpo conceitual e confere
estrutura a um campo de conhecimento, garantindo a
indispensável autonomia de uma área científica que,
com ele, se consolida.
Porém, se observarmos os nomes conferidos ao espaço
ciber no calor da urgência do nomear para ordenar a
ameaça daquilo que escapa ao controle, observamos que
seus agentes diferenciais são, sobretudo, metafóricos.
Ou seja, recuperam de modo aproximativo a possível
referência subjacente àqueles nomes alternativos e não
exclusivos. Portanto, essa fragilidade colocaria em questão
a tentativa de considerar as decorrências da tecnologia
digital como uma área de conhecimento e essa limitação
abre outros elementos que devem ser considerados.
O que importa é descentrar
aqueles pseudo-nomes ou
modos de nomear a fim de
descobrir-lhes, no caráter
metafórico, os sentidos
subjacentes e encontrar o que
neles se encontra escondido ou
desviado.
A referência a que um nome implica não pode ser
dúbia ou frágil pois, se assim for, a relação entre o fenômeno
estudado e o nome que a ele se aplica perde o
sentido. Se observarmos que tempo real e realidade integral
são conceitos-chave da existência que decorre da
tecnologia digital, veremos que parece absolutamente
inócuo pensar ou falar em uma possível Teoria Causal
da Referência, como parâmetro científico ao qual o nome
deveria referir-se ou conter e descrever. Ou seja, sem
referente, o espaço ciber tem uma realidade integral esgotada
na ausência de tempo do tempo real, o que o faz
auto-referente e sem limites históricos ou geográficos:
Pareceria que a evolução (ou a involução) para um
universo integral é irresistível. Mas ao mesmo tempo,
pareceria que a forma dual é indestrutível.
Nada permite especular sobre o desenlace deste
duplo movimento contraditório. Assistimos à confrontação
insolúvel entre uma forma dual e uma
integração total.
Mas esta última só o é em aparência, visto que
sempre está presa à desintegração secreta de um
dissenso que a trabalha por dentro. Se trata da violencia
mundial imanente ao sistema–mundo e que
lhe opõe, internamente, a forma simbólica mais pura
do desafio... Pulsão integral e pulsão total: aqui está
o Grande Jogo ( Baudrillard, 2008, p. 16).
Como se vê, ao debruçar-se sobre a necessidade de
conferir um referente que centralizaria a realidade inteCiberespaço:
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gral, entendida como síntese do conhecimento contemporâneo
que decorre do digital, Baudrillard cede à evidência
contraditória entre o nome e sua possível referência
inócua, descentralizada.
Porém, Kuhn, dentro da característica que lhe é peculiar
e o tornou notário no campo das revoluções científicas,
não adere àquela contradição, mas procura abolir o
espectro de uma Teoria da Referência, como elemento
indispensável à estruturalidade cognitiva de um nome e
observa que, em ciência, a semiose de uma referência
torna-se cada vez mais rarefeita e imprecisa:
A teoria causal da referência corta o nó górdio
ao negar que os nomes próprios tenham definições
ou sejam, de alguma maneira, associados
a descrições definidas (Kuhn, 2006, pp.
243/244).
Contra a senha de um nome surgiria a possibilidade
heurística de algo que, sem ser nome ou ser apenas
difuso, apontaria para uma designação paralela que, ao
contrário, nomearia de modo apenas possível e metafórico
que designaria um referente desenhado por similaridades:
Acrescento que, a bem da brevidade, ignorarei doravante
a distinção que já salientei entre a metáfora
propriamente dita e processos semelhantes a metáforas.
Nessas observações finais, “metáfora” se refere
a todos aqueles processos nos quais a justaposição,
seja de termos, seja de exemplos
concretos,origina uma rede de similaridades que
ajuda a determinar o modo como a linguagem se
liga ao mundo (Kuhn, 2006, p. 249).
Essa imprecisão apontaria, portanto, para algo aproximativo
que substituiria o nome pela metáfora e apontaria
para algo paralelo que, ao contrário do nome, esvaziaria
o sentido, a semiose plena, e criaria uma
indeterminação tão mais radical, quanto mais analógicos
e comparativos fossem os recursos verbais utilizados
para metaforizar ou recuperar, de modo aproximado,
a possível referência. A metáfora passa a atuar como
“acesso epistêmico” e, no caso do ciberespaço ou da sua
consequência, a cibercultura, passa a figurar como verdadeira
“senha de acesso epistêmico”. Ou seja, se eufóricos
ou disfóricos, reconhece-se que se procura sintetizar
os nomes através de similaridades que, positivas ou
negativas, projetam uma avaliação que, a despeito da
ausência de um referente causal ou operacional, acaba
por criar um outro, não só imaginário, mas sobretudo,
avaliativo, qualificativo.
Desse modo, tempo virtual, realidade integral, espaço
crítico, inteligência do mal, política do pior, estrada do
futuro, ou todos os demais nomes elencados constituiriam,
embora herméticos, imprecisos e metafóricos formas
de nomear de modo oblíquo e ambivalente aquilo que
não se nomeia, porque resiste ao controle do nome, mas
sobre o que se ousa falar, escrever e, sobretudo, usar de
modo entusiasmado e eufórico no limite da promessa de
um futuro melhor ou revoltado e nostálgico, ante um
mundo sem fronteiras definidas.
Aqui está a questão, atrás daqueles nomes metafóricos
repousa a arqueologia do espaço e da cultura ciber.
O que importa é descentrar aqueles pseudo-nomes ou
modos de nomear a fim de descobrir-lhes, no caráter
metafórico, os sentidos subjacentes e encontrar o que
neles se encontra escondido ou desviado. Ou seja, é
necessário procurar aquilo que, escondido na metáfora,
contém a estruturalidade da epistemologia do novo conhecimento
ciber ou aquilo que se situa na contra-referencialidade
de um nome único ou na história de uma
polissemia que estende ao infinito o jogo da nomeação e
dos seus significados.
Desse modo, aquela profusão de metáforas que substituem
nomes, se transformam em capital cognitivo e escondem
duas tendências básicas ao espaço e à cultura
ciber: são, ao mesmo tempo, positivos e negativos. Entretanto
não há , entre elas, oposição, embora pareçam
negarem-se ou colidirem.
Entre os nomes disfóricos parece prevalecer, de um
lado, a tentativa de traduzir o desconhecido e ameaçador
fenômeno ciber naquilo que se conhece desde o movimento
modernista, culminou no desastre e nas consequências
de duas grandes guerras e constitui ameaça
social e política constante e insuperável.
De outro lado, entre os eufóricos, encontram-se outros
dois caminhos não totalizantes ou divergentes: em primeiro
lugar, o entusiasmo da descoberta de um novo
instrumental comunicativo, uma nova e inteligente mediação
destinada a superar as antigas tecnologias lineares
de massa, embora e possivelmente, possa resultar no
mesmo efeito manipulativo centrado no consumo e na
alienação que delas decorreu, em segundo lugar, surge a
tendência curiosa voltada para o futuro, que procura
envidar esforços e imaginação para prever os resultados
cognitivos e sociais possíveis e subjacentes à nova tecnologia
e aos seus meios comunicativos.
Entre os dois casos, positivos ou negativos, é possível
apreender a tentativa de estabelecer sínteses que lembrariam,
ora a nostalgia do passado que era melhor porque
dele já se conhecia todas as ameaças, ora a euforia contida
na possibilidade de mudar radicalmente o quadro
cultural de uma modernidade fracassada que, sob a
égide do capital sempre presente, mas à sua revelia,
poderia alterar o quadro criativo, social, político e econômico
da desigualdade planetária.
Portanto, os dois lados não se opõem necessariamente,
embora ideologicamente divididos, apresentem-se em
oposição e divergência. Ou seja, nos dois casos, observase
o pensamento que se volta para o resgate da segurança
e da certeza cognitivas que decorrem da linearidade
estabelecida entre causas que pré-determinam seus efeitos
utilizando ou não instrumentos tecnológicos. Para a
Lucrécia D´Alessio Ferrara • 25 – 31
30 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 37 • dezembro de 2008 • quadrimestral
comunicação aqueles efeitos predeterminados não têm
sentido, porque se distinguem das consequências de
meios que geram um ambiente comunicativo novo, mas
imprevisto, visto que entre suporte tecnológico e meio
comunicativo não há mútua implicação ou qualquer
relação causal.
5. A cibercultura do espaço-ciber
Se o espaço ciber é o locativo da cibercultura, ela é consequência
da aceleração que o mobiliza. Desse modo, torna-
se quase impossível a empiria e o conhecimento
porque, móvel e inconstante, aquele espaço não se
recusa ao conhecimento, mas é indeterminado, movente,
sem ser vazio. Ao contrário, os nomes gerados
na confluência entre espaço e cultura “ciber” e, sobretudo,
na oposição que, entre eles, se estabelece,
parecem impor a necessidade de fixar um objeto científico
que, ao contrário, se caracterizaria pela instigante
indeterminação e fragilidade de limites.
Aquele nomear parace querer resgatar, nos dois casos,
um paradigma científico que, em segurança, poderia dar
conta do fenômeno comunicativo que decorre das novas
tecnologias.
Na confluência entre espaço e cultura “ciber”, impõese
estatizar um objeto científico que se caracteriza pela
indeterminação e fragilidade de limites, mas, exatamente
por isso, instigante. Porém, na tentativa de superar a
opacidade de um objeto científico indeterminado, a ciência
que se estabelece pelas sínteses científicas geradas
pela cibercultura e pelo espaço ciber parecem requerer,
ao mesmo tempo, tanto a nostalgia do conhecido que,
embora nefasto, já se apresenta nomeado e classificado,
como a operativa atividade instrumental do fazer ou da
possível previsão de uma revolução social que poderá
gerar.
Ao contrário e visto que indeterminado, aquele objeto
só se deixa vislumbrar com alguma clareza de síntese se
for apreendido nos seus desvios positivos ou negativos,
como sugere Morin:
A história da nossa terra é acidental, e através desses
acidentes houve a extraordinária proliferação
de formas vegetais e animais, das quais, de um
ramo de um ramo de um ramo... da evolução animal
surgiu o ser humano e, finalmente, a consciência
humana... Somos, portanto, um produto “desviado”
da história de mundo; isto nos permite compreender
que a evolução não é qualquer coisa que avança
formalmente, majestosamente, como um rio, mas
parte sempre de um “desvio” que começa e consegue
impor-se, torna-se uma grande tendência e triunfa,
o que se aplica à história das idéias... ( Morin,
2003, p. 20).
Prevê-se, portanto, a emergência de uma outra forma
de ciência que ocorre como resíduo daquela certeza que
só se define ao determinar e reduzir o conhecimento.
Enquanto resíduo de certezas temporais e espaciais, o
tempo real e a realidade integral como nomes metafóricos
do ciber-espaço e da cultura que lhe é conseqüente
resgatariam, portanto, fragmentos de uma epistemologia
da comunicação que ainda comunga da necessidade
daquela segurança funcional que decorria do caráter
instrumental dos meios técnicos que, aplicados, lhe
garantia espaço social e cultural.
Porém, na indiferenciação ou indeterminação daquele
objeto científico que se insiste em traduzir de modo
eufórico ou disfórico, é possível apreender não o conteúdo
que possa ordená-lo ou classificá-lo, mas similitudes
que, movediças e instáveis, podem sugerir ao conhecimento
estabelecido pela tradição, outras identidades que,
mais complexas são, por assim dizer, pós-epistemológicas,
na medida em que apontam para a urgente necessidade
de revisão daquela epistemologia funcional dos
meios da comunicação de massa que constitui a base de
um conhecimento já credenciado. Nesse sentido, Flusser
é decisivo:
[...] o reconhecimento do intelecto não é um instrumento
para dominar o caos, mas é um canto de
louvor ao nunca dominável. O nome próprio não é
o resultado de um esforço intelectual, mas de um
choque entre o intelecto e o indominável. O nome
próprio é a síntese do intelecto com o de tudo diferente
( Flusser, 1999, p. 74).
Entretanto, o ciberespaço e suas conseqüências culturais
se afastam de modo acelerado daquilo que foi rotulado
pelos antigos meios e superando a linearidade de
um efeito comunicativo, busca-se a circularidade das
consequências imprevisíveis ou díspares, porque decorrem
da indeterminada característica de meios comunicativos
que, ambientalmente, contagiam o planeta , mas
resistem à sua determinação e controle.
Até agora ,não se pode saber o que é e, sobretudo, o que
fazer com o conhecimento ciber, embora sejam produzidos
unívocos discursos que, descritivos ou constativos,
procuram operacionalizar hipóteses para as conseqüências
que deverão agitar o mundo dominado pela tecnologia
ou desenhar o presente com recursos que utilizam
imprevistas interatividades ou subjetividades
híbridas, imersivas ou móveis.
Ante um objeto científico que, indeterminado, não se
esvazia de sentido, é necessário produzir o conhecimento
que, imaginário e sem nome, silenciosamente abdica
da necessidade de tudo explicar.
Ante esse estranho objeto, urge admitir que as consequências
da tecnologia digital entendidas como espaço
e cultura colocam para a epistemologia da comunicação
um desafio ímpar que impõe a revisão das suas certezas
teóricas e empíricas nFAMECOS
NOTA
* Este texto foi apresentado no II Simpósio Nacional
Ciberespaço: conceito à procura de um nome • 25 – 31
Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 37 • dezembro de 2008 • quadrimestral 31
da ABCiber realizado em novembro de 2008
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